A Lei nº 13.467/2017, denominada Reforma Trabalhista, ao modificar o art. 899 da CLT, estabeleceu um regime jurídico específico para o depósito recursal, exigido nas impugnações perante instâncias superiores, seja no âmbito dos TRTs ou do TST. Referida alteração introduziu distinções relevantes quanto ao tratamento conferido às entidades sem fins lucrativos, que passam a ter o valor do depósito reduzido à metade, conforme §9º, e às entidades filantrópicas, expressamente dispensadas de sua realização, nos termos do §10 do referido dispositivo.
Embora a redação pareça clara, a ausência de precisão terminológica acabou abrindo espaço para dúvidas importantes e insegurança prática, de modo que muitas organizações passaram a se perguntar se são ou não “filantrópicas”, sob a ótica da lei. Advogados, no exercício da profissão, passaram a enfrentar risco real de deserção recursal quando aconselham seus clientes quanto a isenção citada, sem base jurídico-jurisprudencial sólida.
No direito brasileiro, a expressão “entidade sem fins lucrativos” funciona como gênero extremamente amplo, podendo abranger associações civis, fundações, OSCIPs, organizações sociais, cooperativas e uma série de outras figuras estruturadas sem finalidade lucrativa. O elemento comum é apenas um: a proibição de distribuição de lucros. Isso, contudo, não impede que essas entidades tenham receitas, cobrem por serviços, celebrem convênios remunerados ou exerçam atividades econômicas de suporte institucional.
É por essa amplitude que o parágrafo 9º do art. 899 da CLT não subdivide categorias: qualquer entidade que não tenha fim lucrativo está abarcada pela regra que reduz o depósito recursal pela metade, em benefício automático, claro e aparentemente seguro. O problema começa quando se chega ao parágrafo 10, que trata da “entidade filantrópica”, expressão que, embora amplamente utilizada socialmente, simplesmente não tem definição jurídica precisa no ordenamento pátrio.
No senso comum, filantropia está associada a atuação gratuita, sustentada por doações e voltada à coletividade. Entretanto, não existe nenhum diploma legal que descreva o que caracteriza uma entidade filantrópica. Logo, como o termo é mais cultural do que normativo, o uso da palavra pela CLT, sem indicar critérios objetivos, deixou uma lacuna que o Poder Judiciário passou a preencher de forma desigual.
O contraste é evidente quando se observa que o ordenamento jurídico, por outro lado, prevê expressamente a figura da entidade beneficente. A LC 187/2021 regula detalhadamente essa categoria, limitada às áreas de assistência social, saúde e educação, com exigência de certificação específica (CEBAS). Fica clara a posiçãoo da entidade beneficente como espécie dentro do gênero ‘entidade sem fins lucrativos’, e que possui requisitos formais e materiais bem delimitados. Ainda assim, a CLT não menciona essa categoria para fins de isenção ou redução do depósito recursal, criando um desalinhamento ainda maior entre a legislação trabalhista e a legislação tributária e assistencial.
Essa omissão legislativa é o estopim da confusão jurisprudencial. Há julgados que equiparam beneficência e filantropia, especialmente quando há a declaração CEBAS, entendendo que a certificação já bastaria para demonstrar atuação social relevante. Em sentido oposto, há decisões que diferenciam as categorias de forma rígida, afirmando que a entidade filantrópica é aquela que atua exclusivamente por doações e de modo gratuito, enquanto a beneficente pode cobrar por serviços, receber contraprestações ou operar por convênios, mesmo mantendo sua natureza não lucrativa.
Nesse cenário, uma entidade beneficente certificada pode não ser considerada filantrópica para fins de isenção do depósito recursal. Se houver receitas próprias, como mensalidades, convênios ou prestação de serviços, há julgados que afastam a isenção total, o que tem levado a decisões que reconhecem a deserção do recurso quando a parte deixou de recolher o depósito, confiando apenas na existência da declaração CEBAS ou na mera alegação de ‘entidade filantrópica’.
Diante disso, é importante que os advogados e demais operadores ajam com cautela, pois, como exposto, a interposição de recursos, perante o judiciáio trabalhista, por entidades do terceiro setor, não admite presunções amplas. Pela ótica jurisprudencial atual, a alegação de filantropia só deve ser feita quando houver comprovação clara de atuação gratuita, manutenção por doações e ausência de qualquer forma de remuneração por serviços.
Trata-se de um perfil institucional raro, por isso, a invocação da isenção do art. 899, §10 da CLT deve ser exceção, e não regra.
Quando houver qualquer dúvida razoável, seja por previsão estatutária de receitas, seja por atuação mista, seja por existência de convênios remunerados, a postura mais conservadora é recolher metade do depósito recursal, aplicando o disposto no art. 899, 9º da CLT. O enquadramento como entidade sem fins lucrativos, enquanto gênero, é incontroverso e diminui consideravelmente o risco de não conhecimento do recurso por deserção, especialmente em demandas estratégicas.
Importante reforçar que a isenção do depósito recursal não se estende às custas processuais, também devidas quando da interposiçao recursal no judiciário trabalhista. Para estas, a dispensa depende de concessão expressa de justiça gratuita, mediante demonstração de insuficiência econômica, requisito que não se presume apenas por ausência de fins lucrativos, sendo imprescindível a prova inequívoca da hipossuficiência financeira, conforme expresso na Súmula 463, II do TST, o que se faz normalmente com a apresentação de balanços financeiros.
Em resumo, diante da mistura conceitual entre filantropia, beneficência e ausência de fins lucrativos, a postura estratégica mais segura é evitar enquadramentos arriscados. A lei 13.467/2017 buscou simplificar, mas acabou gerando sobreposição de categorias e dependência de interpretação judicial.
Em um ambiente interpretativo tão instável, a defesa eficaz da entidade representada depende de decisões processuais cautelosas e preventivas. A clareza do parágrafo 9º do art. 899 da CLT deve ser utilizada como ponto de ancoragem segura, enquanto o parágrafo 10 exige rigor extremo na análise fática e documental. A boa estratégia, nesse contexto, é aquela que protege a admissibilidade do recurso e evita prejuízos irreversíveis a quem recorre.
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Autora: Júlia Carolina
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