Nesta semana, a Lei nº 9.307/1996[1], conhecida como Lei de Arbitragem, celebra seus 29 anos de existência, consolidando-se como marco jurídico de extrema relevância no Brasil. Ao reconhecer a autonomia privada como meio legítimo de resolução de disputas, a lei conferiu às partes a possibilidade de escolher árbitros imparciais e independentes para resolver conflitos complexos, com maior rapidez, especialização e confidencialidade, representando alternativa eficiente à, já sobrecarregada, jurisdição estatal.
A “tradição arbitral” no direito brasileiro
A arbitragem, embora muitas vezes vista como novidade, já se encontrava presente em nossa tradição normativa, desde a Constituição de 1824[2] (art. 160[3]), sendo reiterada nas constituições subsequentes (1934 e 1988), no Código Civil de 1916 e no CPC de 1973. No entanto, até a promulgação da Lei de Arbitragem, sua aplicação prática era limitada, exigindo homologação judicial e repetindo a dependência do Estado para a execução das sentenças.
Somente com a Constituição de 1988[4] a arbitragem começou a ganhar força, ainda que predominante em contratos internacionais. Nos anos 1990, o advogado Petrônio Muniz, ao observar a lentidão do Judiciário brasileiro, aprofundou estudos sobre arbitragem, mobilizando empresários e instituições acadêmicas, dando início a um movimento que viria a consolidar o instituto no país: a Operação Arbiter.
Operação Arbiter e seus protagonistas
A Operação Arbiter destacou-se por forte articulação política e técnica[5]. Petrônio Muniz compôs a comissão relatora de juristas especializados, sendo eles Pedro Batista Martins, Selma Lemes e Carlos Alberto Carmona, com a missão de redigir o anteprojeto da futura lei, tomando como referência a Lei Modelo da UNCITRAL (1985), reconhecida internacionalmente pela harmonização da arbitragem.
O anteprojeto foi apresentado pelo então senador Marco Maciel, aprovado pelo Senado em 1993, e, após mais de três anos de tramitação na Câmara dos Deputados, sancionado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso em 23 de setembro de 1996, inaugurando um novo capítulo no direito brasileiro.
Entre as inovações fundamentais da Lei de Arbitragem, destacam-se:
O reconhecimento da constitucionalidade
Não obstante os trabalhos realizados no curso da Operação Arbiter e mesmo após a sanção legislativa, persistiam dúvidas sobre a constitucionalidade da lei, especialmente quanto à renúncia prévia à jurisdição estatal e à execução direta da sentença arbitral.
Tais incertezas foram superadas em 2001, quando o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Sentença Estrangeira Contestada nº 5.206/ES[6], reconheceu a constitucionalidade da Lei de Arbitragem, reforçando que a escolha pelo juízo arbitral não viola o princípio da inafastabilidade da jurisdição estatal (art. 5º, XXXV, CF), mas sim reflete o exercício da autonomia privada.
A consolidação do instituto e inovações legislativas
Em 2002, o Brasil incorporou formalmente a Convenção de Nova Iorque[7], garantindo o reconhecimento internacional da arbitragem nacional e fortalecendo sua credibilidade perante agentes econômicos estrangeiros.
Outro marco importante ocorreu em 2015, quando o legislador, seguindo orientações trazidas pela jurisprudência dos tribunais, em especial a do Superior Tribunal de Justiça (STJ), promulgou a lei 13.129/2015[8], também conhecida como reforma da Lei de Arbitragem.
Os principais avanços da referida reforma, podem ser identificados como:
O Código de Processo Civil[9], em vigor desde 2016, reforçou tais avanços, introduzindo as especificidades da carta arbitral e a proteção da confidencialidade nos casos que exigem a cooperação do judicial.
Legado e relevância
A maturidade da arbitragem brasileira se reflete em sua trajetória: a promulgação da Lei de Arbitragem e as subsequentes alterações legislativas consolidaram sua evolução, fortalecendo a segurança jurídica, especialização e eficiência, além de promover a confiança nos diversos setores em que é empregada.
Celebrar os 29 anos da Lei de Arbitragem é reconhecer sua história, os protagonistas e o papel estratégico da arbitragem no desenvolvimento econômico e jurídico do país.
Nosso escritório acompanha de perto toda a evolução da arbitragem no Brasil, atuando na elaboração de cláusulas compromissórias, condução de procedimentos arbitrais e estratégias de prevenção e resolução de litígios. Estamos à disposição para auxiliar nossos clientes a utilizar este instrumento de forma estratégica e eficiente.
Autora: Victória Sbruzzi Messmar
[1] BRASIL. Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Brasília: Congresso Nacional, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm. Acesso em: 23 set. 2025.
[2] BRASIL. (Constituição 1824). Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm. Acesso em: 23 set. 2025.
[3] Art. 160: Nas civeis, e nas penaes civilmente intentadas, poderão as Partes nomear Juizes Arbitros. Suas Sentenças serão executadas sem recurso, se assim o convencionarem as mesmas Partes.
[4] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Congresso Nacional, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 23 set. 2025.
[5] LEMES, Selma. Petrônio Muniz, a história da lei de arbitragem. [S. l.], 2017. Disponível em: https://www.selmalemes.com.br/wp-content/uploads/2022/11/historiadaleidearbitragem.pdf. Acesso em: 23 set. 2025.
[6] STF, Agravo Regimental na Sentença Estrangeira n. 5.206-7, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Plenário, j. 12.12.2001, DJ 30.04.2002.
[7] Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, concluída em Nova Iorque, em 10 de junho de 1958. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4311.htm. Acesso em: 23 set. 2025.
[8] BRASIL. Lei 13.129, de 26 de maio de 2015. Altera a Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, e a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, para ampliar o âmbito de aplicação da arbitragem e dispor sobre a escolha dos árbitros quando as partes recorrem a órgão arbitral, a interrupção da prescrição pela instituição da arbitragem, a concessão de tutelas cautelares e de urgência nos casos de arbitragem, a carta arbitral e a sentença arbitral, e revoga dispositivos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Brasília: Congresso Nacional 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13129.htm. Acesso em: 23 set. 2025.
[9] BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília: Congresso Nacional 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 23 set. 2025.
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