A importância do emprego de Parcerias Público-Privadas (PPP) no setor do saneamento básico está associada a um processo de reforma do Estado, no qual há a intenção de modernizar a gestão pública, perseguindo formas de superar o quadro de crise fiscal crônica[1] que acomete os entes federativos, bem como garantir que as metas de universalização sejam cumpridas, principalmente após o estabelecimento da Agenda 2030[2], aprovada em 2015 na Cúpula das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável. Tal compromisso foi assumido pelo Brasil, e inclui, no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável n° 6, a meta de, “até 2030, alcançar o acesso a saneamento e higiene adequados e equitativos para todos”.
Assim, há uma premente necessidade de incluir o capital privado na realização de investimentos e construção de infraestrutura para buscar o aumento do percentual populacional com acesso ao esgoto tratado, acesso este que é bastante inferior às metas de universalização, conforme se afere dos dados disponibilizados pelo SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento)[3].
Nesse sentido, é essencial clarificar quais entes podem figurar como parceiros públicos em um contrato de PPP. A titularidade dos serviços de saneamento básico, por ser de interesse local, é determinada como sendo dos Municípios pela Constituição Federal, conforme art. 30, I, e art. 21, XX, c/c art 182. Este entendimento já foi afirmado pelo STF em várias hipóteses (ADI 1842, ADI 2077, ADI 6912, etc.). No mesmo sentido é o que prescreve a Lei 11.445/2007, no art. 8°, inciso I. Além disso, não é possível a transferência da titularidade dos serviços públicos de saneamento básico do Município para o Estado[4]. Contudo, a titularidade do ente municipal não impede que haja delegação dos serviços de saneamento básico, por meio de instrumento de gestão associada, conforme definido no art. 241 da CRFB/88.
Ademais, conforme o art. 1°, parágrafo único, da Lei 11.079/2004, as sociedades de economia mista e empresas públicas podem celebrar contratos de parcerias público-privadas. Nesse sentido, é possível que uma companhia estadual, isto é, uma estatal controlada pelo Estado, contrate uma parceira privada, por meio de PPP, sem a interveniência do Município (titular dos serviços de saneamento básico) na referida PPP.
Em suma, existem três possibilidades jurídicas para o parceiro público em uma celebração de PPP no setor de saneamento básico: (i) o Município, como titular dos serviços de saneamento, diretamente contrata um parceiro privado, efetivando a PPP; (ii) o Município e o Estado, atuando conjuntamente, por meio de instrumento de gestão associada, como poder concedente da PPP; e (iii) o Estado atuando indiretamente como poder concedente, por meio de companhia estadual por ele controlada, que preste os serviços de saneamento e esteja autorizada a celebrar contratos de PPPs pela Lei 11.079/2004.
Em relação ao objeto contratual, vale ressaltar que o art. 3°, inciso I, da Lei 11.445/2007 define saneamento como um conjunto de serviços públicos que integra abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e drenagem de águas pluviais, entretanto, não é recomendado que sejam celebrados contratos integrando todos esses serviços públicos, ao mesmo tempo, como objeto contratual. Isso porque, quanto à drenagem de águas pluviais, conforme estudo realizado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento[5], a agregação dos serviços causaria um aumento de complexidade na modelagem, podendo causar atraso ou até inviabilizar o projeto. Em relação à limpeza urbana, são serviços que não requerem investimentos significativos e possuem baixa complexidade operacional, de modo que, em princípio, poderiam ser licitados apartadamente e com contratos de curto prazo, por meio de procedimentos licitatórios, para mantê-los aderentes às condições de mercado, sem necessidade de complexos procedimentos de reequilíbrio econômico-financeiro.
Em conclusão, da perspectiva do ente público, a celebração de PPPs traz inúmeros benefícios, notadamente a possibilidade de gerar importantes e vultuosos investimentos em infraestrutura, no intuito de acelerar o atingimento das metas de universalização. Para garantir uma parceria de qualidade, não é recomendável que os contratos de saneamento agreguem os serviços de limpeza urbana e drenagem de água pluvial aos demais serviços, tendo em vista dificuldades práticas criadas por essa junção. Por fim, quanto ao parceiro público, é importante ressaltar que não é possível que o Estado seja, diretamente, o poder concedente, tendo em vista a indelegável titularidade pelo Município dos serviços de saneamento básico.
[1] FERREIRA, Demétrius Rodrigues de Freitas; HENRIQUE, Anderson. O mapa das parcerias público-privadas em saneamento no Brasil: uma análise comparada (2006-2017). Polis [Online], n. 50, 2018. Disponível em: http://journals.openedition.org/polis/15972. Publicado em: 05 ago. 2019. Acesso em: 06 jun. 2019.
[2] A Agenda 2030 é um plano de ação global que reúne 17 objetivos de desenvolvimento sustentável e 169 metas, criados para erradicar a pobreza e promover vida digna a todos, dentro das condições que o planeta oferece e sem comprometer a qualidade de vida das próximas gerações.
[3] BRASIL. Ministério das Cidades. Painel SNIS. Disponível em: https://www.gov.br/cidades/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/saneamento/snis/painel. Acesso em: 06 jun. 2024.
[4] ADI 1.842, Rel. Min. LUIZ FUX, Rel. P/ acórdão Min. GILMAR MENDES, DJe de 13/9/2013.
[5] BRASIL. Ministério da Economia. Concessão de serviços de manejo de resíduos sólidos urbanos. Disponível em: https://www.ppi.gov.br/wp-content/uploads/2023/04/CONCESSAO-DE-SERVICOS-DE-MANEJO-DE-RESIDUOS-SOLIDOS-URBANOS.pdf. Acesso em: 06 jun. 2024.
Rua Yvon Magalhães Pinto, 615, 8º andar | São Bento
Belo Horizonte | MG | CEP 30350.560 | Tel. (31) 3527.5800
SHS Quadra 6, Brasil 21, Bloco A, sala 501
Brasília | DF | CEP 70316.102 | Tel. (61) 2193.1283
Rua Bandeira Paulista, 726, 17º andar | Itaim Bibi
São Paulo | SP | CEP 04532.002 | Tel. (11) 3056.2110
Avenida das Flores, 945, 10º andar
Jardim Cuiabá | Cuiabá | MT | CEP 78043.172
Av. Wilson Alvarenga, 1.059, sala 601 | Carneirinhos
João Monlevade | MG | CEP 35930.001 | Tel. (31) 3193.0191