Nos últimos anos, a economia comportamental deixou o campo acadêmico para influenciar a forma como as empresas estruturam suas estratégias, políticas e, mais recentemente, seus contratos. Essa transformação parte do reconhecimento de que as decisões humanas — inclusive as tomadas em contextos empresariais — raramente seguem um modelo de racionalidade perfeita, sendo fortemente influenciadas pelo contexto, pela apresentação das informações e pelos chamados atalhos cognitivos.
É nesse cenário que surgem os nudges, termo popularizado por Richard Thaler e Cass Sunstein para designar “empurrõezinhos” sutis capazes de alterar o comportamento das pessoas de maneira previsível, sem restringir opções nem impor sanções diretas. Em outras palavras, trata-se de influenciar decisões por meio da chamada arquitetura de escolhas, preservando integralmente a liberdade das partes envolvidas. O poder dos nudges reside justamente na sutileza da influência: o objetivo é tornar o comportamento desejado também o mais fácil, intuitivo e natural. Essa influência pode ocorrer pela ordem de apresentação das opções, pela definição de padrões pré-selecionados (defaults), pela forma como a informação é enquadrada (framing) ou pela redução de barreiras e burocracias que dificultam a ação.
A partir dessa base, o conceito evoluiu para o contexto jurídico e de governança corporativa, dando origem aos chamados snudges (ou self-nudges), mecanismos contratuais desenhados para induzir ou facilitar o próprio cumprimento das obrigações, tornando o adimplemento o caminho de menor resistência e o descumprimento a alternativa mais custosa ou inconveniente. Trata-se, em essência, de aplicar o design comportamental ao direito contratual, convertendo o contrato em um instrumento ativo de governança, capaz de prevenir falhas e incentivar condutas adequadas de forma espontânea.
Na prática, esses mecanismos se traduzem em cláusulas de renovação automática acompanhadas de aviso prévio e opção simples de cancelamento; alertas automáticos de vencimento e lembretes de cumprimento contratual; relatórios periódicos automatizados que reforçam transparência e prestação de contas; e ferramentas de compliance que utilizam feedbacks comparativos de desempenho para estimular a adesão a normas internas e regulatórias. Ao invés de depender exclusivamente de coerção, o contrato passa a funcionar como um sistema inteligente de incentivo, no qual as boas condutas ocorrem quase naturalmente.
No âmbito societário, por exemplo, nudges podem assegurar a regularidade de reuniões de conselho, o envio de relatórios de desempenho e o cumprimento de ritos decisórios, garantindo que a inércia — um comportamento comum em estruturas complexas — atue a favor da governança, e não contra ela. Em contratos de tecnologia e prestação contínua, os snudges reduzem inadimplências e otimizam fluxos operacionais ao combinar simplicidade, clareza e automatização. Já em programas de compliance e privacidade de dados, os nudges transformam a conformidade em hábito: checklists automáticos, fluxos de assinatura digital e políticas de consentimento com opt-in facilitado reforçam a aderência à LGPD e a outras normas regulatórias, sem gerar atrito ou confusão.
Entretanto, a aplicação desses mecanismos exige rigor ético e técnico. A linha que separa um nudge legítimo de uma manipulação indevida — o chamado sludge — pode ser tênue. O ordenamento jurídico brasileiro, alicerçado nos princípios da boa-fé objetiva, da transparência e do equilíbrio contratual, impõe que a arquitetura de escolha respeite sempre a liberdade de decisão e a lealdade entre as partes. Assim, qualquer nudge ou snudge deve prever uma opção clara de opt-out, ser comunicado de forma transparente e evitar obstáculos desproporcionais, como burocracias excessivas ou cancelamentos complexos. O design deve ser equitativo, garantindo que os benefícios do mecanismo sejam compartilhados e não sirvam para explorar vulnerabilidades cognitivas da contraparte.
A ascensão da LGPD reforçou essa perspectiva ao combater o uso de dark patterns — interfaces ou contratos desenhados para induzir consentimentos forçados ou dificultar sua revogação. O que antes era uma recomendação ética tornou-se também um requisito regulatório: transparência, simplicidade e livre escolha são, hoje, elementos centrais de um design contratual legítimo e eficiente.
Nesse novo cenário, o advogado deixa de ser apenas o redator de cláusulas para assumir o papel de verdadeiro arquiteto comportamental. Projetar contratos significa compreender como as pessoas e as organizações realmente se comportam — e utilizar esse conhecimento para estruturar documentos e fluxos que previnam conflitos, incentivem o cumprimento e fortaleçam a governança. O contrato passa a ser uma ferramenta de engenharia social positiva, aproximando o Direito da realidade prática dos negócios e da gestão.
O futuro do direito contratual empresarial caminha nessa direção: contratos menos voltados à punição e mais voltados à prevenção, capazes de induzir comportamentos corretos por meio do próprio design. Ao incorporar nudges e snudges, as empresas criam ambientes em que o cumprimento das obrigações é o resultado natural e previsível das interações, reduzindo riscos, melhorando a performance e consolidando uma cultura de governança efetiva.
Mais do que “empurrar” as partes para um caminho, trata-se de criar o ambiente em que agir corretamente é o caminho mais simples, seguro e desejável. É nessa convergência entre Direito, comportamento e eficiência que o TPC Advogados atua — auxiliando empresas na revisão de contratos, fluxos internos e políticas corporativas sob a ótica da arquitetura comportamental, garantindo instrumentos jurídicos mais inteligentes, éticos e aderentes à realidade de cada cliente.
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